terça-feira, 29 de agosto de 2006

VIOLÊNCIA E SERVIÇO SOCIAL

Violência abarca relações de poder, de submissão, de medo, de ganhos e de perdas. A violência não se constitui em uma via de mão única. Ela implica em uma construção de relações ao longo de uma vida. Embora seja explicitada no cotidiano, na vida dos sujeitos, ela traz implícita neste cotidiano as manifestações produzidas nas relações sociais, a partir da constituição de uma determinada sociedade.

A violência pode ser explicada a partir de diversos ângulos, dependendo de onde nasce o olhar e o conhecimento de quem explica.

Por exemplo, se este olhar e este conhecimento nascem do alto da pirâmide social de uma sociedade capitalista terceiro mundista, as categorias que emergem deste conhecimento propiciam que se resolva a violência através de mais presídios, mais segurança, mais redução da idade penal, mais controle de natalidade.

A forma de enfrentamento da violência, então, vai se centrar em um movimento de proteção entre os “cidadãos de bem” em relação aos outros – “os bandidos”.

É um olhar e um conhecimento que buscam explicar o fenômeno da violência a partir da culpabilização da pobreza e de uma concepção de sociedade centrada no paradigma positivista – “os errados devem ser adaptados”.

E o Serviço Social? O que tem a ver com isso?

Muito, considerando que, em sua trajetória histórica, a marca de sua origem trouxe para a sua intervenção na realidade o pensamento hegemônico para conhecer, explicar e intervir na desigualdade social e no seu produto – a violência.

Pobre é carente. Logo, sua carência nasce de sua impossibilidade de adaptar-se à sociedade, pela falta de responsabilidade, de qualificação para o trabalho, pela sua dificuldade em se inserir na sociedade ou pela sua dependência química ou etílica. Provavelmente, a família não foi competente. Portanto, durante um longo período os assistentes sociais explicaram a violência através da causa e do efeito.

Era nessa explicação reducionista e setorizada da violência que os assistentes sociais desenvolviam sua intervenção, através de seu objeto, na época – resolução de problemas.

Culpa nossa?

Não, porque o desconhecimento é intencionalmente produzido, e o conhecimento setorizado traz a intencionalidade na manutenção dos privilégios.

É fácil traduzir a violência pelo aparente e buscar soluções imediatas na resolução de problemas. É fácil assumir posições postas pela unanimidade descomprometida. É fácil solucionar a violência pelo armamento dos “homens de bem” ou pela “pena-de-morte”. É fácil ser assistente social em um contexto em que a pobreza é “solucionada” por políticas sociais compensatórias, sem questionamento. É fácil aceitar a guerra em nome da democracia. É fácil aceitar a morte pelo preconceito, quando sua explicação não passa de argumentação em relação à aceitação da violência. É fácil ser assistente social quando nos tornamos espectadores da própria violência, pela ausência de tomada de decisão, porque burocratizamos a intervenção.

No entanto, difícil é ser assistente social quando a consciência se apropria da violência como um fenômeno que nasce da relação capital e trabalho. Em que uma nova concepção de sociedade passa a fazer parte do cotidiano profissional. Quando a categoria rompe com o pensamento hegemônico, trazendo para sua prática uma nova leitura teórica para conhecer, explicar, interpretar e intervir na realidade social.

É difícil ser assistente social quando, ao nos defrontarmos com a violência no cotidiano, também nos apropriamos do conhecimento de que a relação capital e trabalho produz a desigualdade social e a elege como essência de sua própria manutenção.

É difícil ser assistente social e se apropriar da Questão Social como objeto do processo de trabalho que, como uma linha invisível, vai delimitar a violação de direitos como espaço de trabalho.

É difícil ser assistente social e se contrapor ao pensamento hegemônico e lutar pela garantia de direitos. É difícil ser assistente social e lutar pelos direitos humanos de qualquer sujeito, independentemente de seu comportamento. É difícil ser assistente social nos espaços institucionais em que a burocracia é mais importante que as pessoas. É difícil ser assistente social quando nos apropriamos da violência como construção de um coletivo que teima em se desresponsabilizar pela sua existência.

É difícil ser assistente social na conquista de espaços de resistência, porque ser assistente social é, antes de tudo, priorizar o Projeto Ético-Político a todo instante no cotidiano, é ter a certeza de que o caminho que vai ser percorrido é o caminho da esperança e da interlocução de direitos, para quem não tem voz nem vez em uma sociedade pródiga à violação de direitos.

Maria da Graça Maurer Gomes Türck

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